Páginas

Eu amo vocês, meninos? - Reflexões sobre o Perdão como marca da Graça

Um episódio ruim que me aconteceu estranhamente me lembrou do meu Pai e do quanto que Ele me ama.
Fui assaltada por um rapaz visivelmente menor de idade, acompanhado de outro mais velho e eles me roubaram o celular apenas com o terror das palavras. Não teve revólver na minha cabeça, mas eu segui o conselho de minha mãe de nunca resistir a um assalto, afinal, a vida é mais importante. De qualquer forma eu não estava em condições psicológicas de raciocinar sobre a probabilidade deles estarem armados... Eu só queria me livrar daqueles dois seres que eu nunca tinha visto na vida e ir em paz para um lugar seguro. 
Eles foram embora e ficou em mim a mescla entre me sentir lesada de um bem que eu mesmo tinha comprado com sacrifício e a raiva por ter “errado” ao ficar tão exposta em um lugar em que eu pensava estar a salvo. 
Estranhamente, a face de quem sou fora mostrada ali naquele episódio: a vontade de me vingar, de ver os dois rapazes apodrecendo numa cadeia ou de recorrer à violência facilmente foram expostas como primeira reação, e, de alguma forma eu não estaria errada em assim o desejar. 
Mas aí comecei a pensar... 
Quem eram? Será que tinham família? E se tinham, como era a relação afetiva entre eles? Será que receberam amor? Será que tinham expectativas de vida? Por que resolveram entrar para o crime? Como eles conseguiram ver com tanta normalidade lesar alguém e dormir? Será que sentiam o peso da consciência ainda ou a maldade os tomou e levou qualquer rastro de inocência, mesmo com pouca idade?
Essas perguntas, de uma hora pra outra, desconstruíram toda a figura detestável que fiz deles, porque quando se distancia do seu inimigo, têm-se mais motivos para odiá-lo. De forma alguma justifico suas ações, e desejo muito que um dia venham a pagar por seus crimes, mas passando por esta experiência enxerguei quem sou, e quem eles eram para Deus.
É escandaloso demais pensar que a Imagem de Deus, mesmo que manchada pelo pecado, ainda estava neles e que na minha melhor postura moral eu sou vista por Deus como vejo a eles?
Quando comecei a entender isso, percebi o que é o Amor do meu Pai. O Deus Santo e Justo ama profundamente aqueles rapazes delinquentes cuja existência nem sei a que fim levará. Ama tão profundamente que crucificou sua carne, foi cuspido, desceu de Sua glória para que, no fim, visse a violência sendo escancarada em ações de delito. Que amor é esse? 
A base de nosso relacionamento com o outro não se dá a partir das ações e reações entre nós e isso quer dizer que provavelmente eu não posso pisar no pé da pessoa que pisar no meu como resposta. A base de nosso relacionamento com o outro, portanto, não é algo meritocrático – e no ponto de vista de muitos, justo – mas misericordioso porque se baseia no nosso relacionamento com Ele.
Toda a ação de alguém que se entendeu como filho desse Pai amoroso fatalmente tende a ser de imitação. Nada que façamos poderá estar de forma divergente do comportamento do Pai para conosco; se eu fui amada, tenho que amar, se eu fui suprida, tenho que suprir, se eu fui tratada pela sua Justiça, tenho de ser justa e se eu fui perdoada, tenho de perdoar. 
A grande complexidade do caso é que a relação de Deus não se baseia nos méritos de quem sou, diferente do tipo de relação que tenho com os outros; até porque, para Ele, eu estou no mesmo patamar moral dos meninos que praticaram violência comigo. A relação de Deus para comigo existe mesmo que eu não mereça seu amor; mesmo que os desejos em mim agridam Sua santidade; mesmo que em minha carne eu escolha O odiar por minhas atitudes. 
“Onde abundou o pecado, superabundou a graça”.
Quanto mais sujo eu sou e alguém me ama, apesar de mim, mais eu percebo o quanto sou amado. 
Eu sou amada por Ele.
Vocês são amados por Ele, meninos.
Mas qual será a minha resposta quando me vejo diante da interrogação que me machuca e definitivamente põe em xeque se realmente sou Filha dEle?
Será que eu amo vocês também, meninos?