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"Jesus Te Ama! (Mas eu nem tanto)" A Hipocrisia do Amor Cristão


O culto terminava ás nove horas. Era domingo, santo domingo da semana e irmã Maria não perdia um.
Fora criada na religião, era certo que trabalhava demais, durante toda a semana, mas sempre arranjava um tempinho pequeno que fosse para ir á igreja.
Usava saias compridas assim como seus cabelos meio danificados, era uma jovem senhora na verdade... Uma jovem senhora casada de quase quarenta anos.
Sua vida não estava tão bem; seus filhos estavam adoentados, o marido desempregado e seu emprego tomava-lhe todo o tempo, mas o sermão do Pastor prometia-lhe bênçãos vindouras, alegrias, vitórias... E todos esses sermões convencionais de neo-pentecostais. Irmã Maria ouvia e acreditava, seus olhos se umidificavam á medida em que a voz do Pastor se elevava com palavras e chavões típicos.
Nove horas e vinte minutos, este foi o horário do término do evento. Irmã Maria chamou seus pequenos e acompanhou seu marido até a entrada principal do templo, alguns irmãos falavam com ela, mas ela estava apressada... Tinha que acordar cedo.
O templo ficava em frente á uma avenida muito movimentada, por ali passavam todos os tipos de pessoas; com suas cores, cheiros, roupas, religiões e credos. Misturavam-se ao barulho dos carros, ás luzes da cidade...
Maria puxava os filhos com violenta cautela á fim de não serem atropelados, suas mãos o prendiam com força, em sua frente ia o marido segurando o outro filho com uma das mãos e a outra a bíblia.
Em uma das calçadas, muitas pessoas esbarravam na família, a parada do ônibus parecia ser mais longe que de costume.
Um rapaz de seus quatorze anos, escuro, mal vestido e sujo abrigava aquela calçada estava com um grupo de outras crianças parecidas usando drogas lícitas e até ilícitas.
Israel, um dos filhos menores da irmã Maria ficou a olhar os pobres meninos com uma expressão assustada: "Mas o que eles estão fazendo?" pensava o pequeno.
Maria, assim como o resto das outras pessoas nem se davam conta da existência dos mesmos, apenas seguia seu caminho, mas Israel não conseguia andar, estava perplexo!
Sua mãe seguiu o olhar da criança e em uma atitude explosiva tapou os olhos do menino.


    - Vamos embora Israelzinho, deixe esses pivetes pra lá!
E falava isso enquanto o puxava.
    - Mas mamãe... Jesus ama eles!
Maria não deu muita atenção ao que o filho dizia.
    - Jesus vai amar mais ainda se a gente for depressa pro ônibus, esses pivetes estão fazendo o que não devem, o caminho deles é o inferno!
Puxou seu filho com violência, regida pela pressa... Dominada pelo egoísmo.
Entrou no ônibus e seguiram seus rumos.
Era certo que suas vidas não estavam tão bem, mas o que importava aqueles garotos mal-vestidos?
Deus já havia falado com ela, o pastor disse que tudo iria melhorar...
Para ela o dia estava ótimo demais para ser estragado por pivetes pecadores.
Seguiram na "santa" paz de Cristo, ela com uma frase escrita em sua blusa: "Jesus te ama!".



Composições: Fé

Desespero;
Ápice das emoções escassas
medo da morte estantânea de
Tudo aquilo que já se sonhou,
Que se acreditou.

Morte das previsões de um tempo bom
Morte de olhos e sinceros sorrisos,
Sonhos perdidos na ambiguidade,
Dessa realidade.

Me perguntam: "Onde é que está tua fé? Para onde vais?"
Me questionam para onde foram as minhas certezas.
Existem momentos em que as respostas simplesmente não respondem.

Questões
De evolução e religião,
Guerras
Entre socialismo e capital...
Quando nada disso faz mais sentido,
No final o que é tudo isso?

Me perguntam: "Onde é que está tua fé? Para onde vais?"
Me questionam para onde foram as minhas certezas.
Mas sei, que haverá um dia em que Ele vai responder,
Sim, meu Deus vai me responder.


É aquilo que não se pode ver.
Nem se pode tocar.

É o sentido abstrato de que tudo vai melhorar
Sim, tudo vai melhorar.

Mais Um Texto Clichê


Já é clichê falar de como o governo anda ruim, de como o amor é a essência da vida, de como não se escuta de verdade Rock'n Roll e do quanto é bom a sensação de se dormir em dias de chuva.
É clichê falar disso e muito mais...
É clichê e por vezes até vergonhoso dizer "eu te amo", abraçar o amigo na frente de todo mundo, cantar bem alto no meio da rua,
Dar risadas estranhas no cinema...
É clichê dizer que o dia está bonito, enxugar os olhos de quem está sofrendo e falar: "Vai ficar tudo bem", ou até mesmo é clichê perguntar para o outro se estar tudo bem, mesmo quando o real sentido não se é de preocupação.
Tudo isso virou costume, costume, jargão, bordão... Clichê.
O que me perturba é saber se realmente estas ações partem de sinceridade, ou se elas moram no vazio e superficialidade que por vezes a rotina impõe: clichê.
Seja lá o que for, vivo dessas eternas manias rotineiras de dizer e fazer essas peculiaridades por vezes supérfluas...
Vivo de clichês, e as vezes me perco neles.
Clichê.


O Novo Sempre vem



"As pessoas mudam."
Disse isso hoje á tarde numa conversa com os amigos. Talvez eu tenha falado por falar, mas agora me dou conta do poder que essa frase me causa, principalmente agora. 
Pensei nisso o dia todo e percebi o quanto é estranho o tempo passar e certas atitudes que antes até condenávamos tornarem-se rotinas em nossas vidas.
A partir disso muitos pensamentos me vieram á mente: Será que um dia irei mudar? Será que a mudança alterará quem realmente eu sou? e o que realmente eu sou? Qual é a minha essência?
Basicamente nossas vidas não estão postas em solo firme, muito do que afirmava ser errado hoje considero certo, pessoas que eu confiei até um tempo atras me decepcionaram e assim por diante.
Hoje, aprendi que nada é certeza, tudo resume-se à duvidas e perguntas mal respondidas. 
Talvez eu mude algum dia, talvez não. 
O segredo é não ter medo. Não ter medo de mudanças, de tempos ruins... Não ter medo de mudar; não ter medo do novo porque de uma forma ou de outra, ele sempre vem.

Mera repetição

Sentir-se bem... Sentir-se mal.
Quando mais nada disso faz sentido, nada mais disso importa.
Acostumar-se a acordar e deixar passar o tempo torna-se a substituição personificada do que chamam de viver... Mas afinal, o que é isso?
"E viveram felizes para sempre" "Viver bem"... Poxa, nem sei.
Sabe quando a gente pronuncia muito uma palavra e depois nem sabe seu significado? Pronto! Acho que as pessoas fizeram dessa palavra uma repetição... Uma simples repetição vazia de significado e até de sentido.

Amargo


Não gostava daquele gosto amargo do café, mas apreciava a agressão daquela sensação, pelo menos mantinha sua sanidade, já que estava em um quase estado de coma (como quando estamos muito cansados).
O dia estava cor de sangue, o sol dava seu último vestígio de claridão, e ele estava ali como todos os fins de tarde: encostado á sua janela, aliás pequena janela em um dos últimos andares do Edifício onde morava.
André, este era seu nome.
Sua casa estava um lixo, e seu estado físico não era dos melhores; tinha tido um dia difícil assim como todos os dias de sua existência, mas não gostava desses dramas... Simplesmente sobrevivia, e era assim que tinha que ser.
Sua única companhia era a de um cachorro meio rabugento, das bochechas enormes e que babava o tempo todo. O detestava, mas de vez em quando até que era bom acariciar suas enormes orelhas puguentas, era um jeito sutil de distribuir o que tinha de sobra dentro de si, e isto era a carência.
Não admitia isso nas rodas de conversa que rolavam nos fins de semana com os colegas de trabalho, não gostava de expor o seu lado afetivo, ao contrário: fingia estar sempre bem e em possibilidade alguma deixava transpor as lacunas vazias da sua alma.
Tivera muitos relacionamentos, alguns sérios outros casuais, mas Ela não era rótulo. Não sabia rotular o que tivera com a mulher mais estranhamente linda que já vira...
Seu nome era Luiza, era neta de italianos, o corpo era até bonito, nariz perfeitinho,seus cabelos um buquê de cachos grandes e castanhos, e seus olhos... Ah! Seus olhos eram como grandes estrelas, mas não dessas estrelas arrogantemente brilhantes, na verdade eram tão tristes e sóbrios... Como aquelas estrelas solitárias, que quase ninguém vê. E fora essa singularidade que o aprisionara.


Luiza gostava de o manter preso á seus encantos, tinha um feitiço de mulher travestido nos suaves movimentos de menina meiga. De fato era meiga! Meiga, doce, amarga... Amarga!
Agora sim sabia o por que amava tanto aquela sensação agressiva e amarga que o café daquela tarde lhe trazia.
Ela era dona dele, e ele que se autodenominava "senhor de suas ações" via-se vergonhosamente como um dependente carente de apenas um olhar de afeição, como no dia em que ele a pedira encarecidamente para os dois passarem um final de semana juntos, e ela lhe disse que não, secamente, rudemente... Mas para ele tudo aquilo era lindo!
Era de um lirismo... Ela era tão... Tão cruelmente dona de si! E aquilo lhe encantava.
Mas houve um dia, não digo que estava chovendo (geramente certos escritores apelam para isso), na verdade era um dia comum, comum e á princípio descartável (como a maioria dos dias do ano), André tinha saído do trabalho, mas por mais que estivesse fatigado Luiza o fazia sentir-se como quando se acorda depois de uma noite bem dormida.
Iria encontrar-se com ela num bar próximo, ela tinha mandado um torpedo, e aquilo para ele nada mais era do que uma ordem.
Seus passos estavam acelerados, e seu rosto estava de cômico para ansioso... Estava com tantas saudades dela!
Atravessou a rua quase sem olhar as direções, para ele pouco importava se iria ser atacado ferozmente por um carro em alta velocidade; ao menos morreria feliz.
A reconheceu de longe, e neste dia estava mais estranhamente linda do que em todos os dias; adorava vestir-se inedaquadamente nessas ocasiões, todos a olhavam, riam de suas meias cor de laranja, um short jeans curto e desbotado,boina cinza.
Ela simplesmente os ignorava. Era tão segura de si!
Sentou-se com cuidado.
    - Desculpa a demora, o chef hoje estava um ditador... - Começara ele.
    - Não, não precisa se desculpar. O que tenho pra falar é simples e direto. Como você bem sabe, detesto rodeios.
Ela tinha a voz firme, firme e doce ao mesmo tempo.
    - Ok então fale. Mas antes, você já pediu alguma coisa?
    - Pedi uns sucos de laranja.
    - Poxa, sucos de laranja? Estou querendo tomar algo forte...
    - Não.
    - Por quê não? Não posso tomar...
    - Não é sobre isso. Estou respondendo a sua pergunta.
    - Que pergunta?
    - Aquela que você me fez antes de ontem.
André a olhou com os olhos indagadores, por alguns segundos relembrou o que de fato acontecera, e repentinamente todo ele começou a tremer como uma criança com frio em noite de chuva.
A mulher que mais amava, estava destruindo bruscamente seu castelo de areia, seu lindo castelo de areia... Seu estereótipo de vida perfeita com apenas um "Não". Não era um simples "Não" á um convite para passarem um fim de semana juntos; era um "não" para passarem todos os fins de semana de suas vidas juntos.
     - Então é isso? - Depois de alguns instantes.
     - Isso o quê?
     - Você simplesmente me diz "Não" ?
     - E eu deveria adicionar algo á isso? Desculpe-me, mas não posso. Acho que não te amo o suficiente, ou... Não tenho certeza se realmente te amo.
Ficara pensativo, questionando a si mesmo olhando-a dentro dos olhos. Queria ver algum vestígio de mentira ali, mas não... Conhecia aquele olhar, um olhar seguro, assim como toda ela.
Ela já tinha o respondido, e aparentava não ter mais o que falar, na verdade ainda procurava palavras.
Levantou-se e foi embora. A deixou analisando a cor laranja do suco, (quem sabe até comparando com a cor das meias, que seja!) Apenas foi-se, bruscamente. Não queria explicações, há coisas que simplesmente não necessitam disso, ao contrário; ás vezes machucam mais ainda.
Foi pisando no chão com força, revidando em tudo e em todos seu ódio contido por ter descoberto que o amor é espada... E a dor que aquilo causa, pode até te trazer sensações boas, mas a dor... A dor é sempre dor!
Desde então, faz as mesmas coisas todos os dias. Joga em cima do seu sofá velho sua pasta, tira seus sapatos sujos do dia, prepara um café forte e amargo, inconscientemente para trazer á sua memória a imagem dela.
E por mais que lute todas as vezes quando vê de sua pequena janela alguma garota esquisita de meias laranjas no meio do vai-e-vem da cidade, ele sobrevive.
Seu cão das bochechas enormes está ali e pra ele aquilo está de bom tamanho.