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Amargo


Não gostava daquele gosto amargo do café, mas apreciava a agressão daquela sensação, pelo menos mantinha sua sanidade, já que estava em um quase estado de coma (como quando estamos muito cansados).
O dia estava cor de sangue, o sol dava seu último vestígio de claridão, e ele estava ali como todos os fins de tarde: encostado á sua janela, aliás pequena janela em um dos últimos andares do Edifício onde morava.
André, este era seu nome.
Sua casa estava um lixo, e seu estado físico não era dos melhores; tinha tido um dia difícil assim como todos os dias de sua existência, mas não gostava desses dramas... Simplesmente sobrevivia, e era assim que tinha que ser.
Sua única companhia era a de um cachorro meio rabugento, das bochechas enormes e que babava o tempo todo. O detestava, mas de vez em quando até que era bom acariciar suas enormes orelhas puguentas, era um jeito sutil de distribuir o que tinha de sobra dentro de si, e isto era a carência.
Não admitia isso nas rodas de conversa que rolavam nos fins de semana com os colegas de trabalho, não gostava de expor o seu lado afetivo, ao contrário: fingia estar sempre bem e em possibilidade alguma deixava transpor as lacunas vazias da sua alma.
Tivera muitos relacionamentos, alguns sérios outros casuais, mas Ela não era rótulo. Não sabia rotular o que tivera com a mulher mais estranhamente linda que já vira...
Seu nome era Luiza, era neta de italianos, o corpo era até bonito, nariz perfeitinho,seus cabelos um buquê de cachos grandes e castanhos, e seus olhos... Ah! Seus olhos eram como grandes estrelas, mas não dessas estrelas arrogantemente brilhantes, na verdade eram tão tristes e sóbrios... Como aquelas estrelas solitárias, que quase ninguém vê. E fora essa singularidade que o aprisionara.


Luiza gostava de o manter preso á seus encantos, tinha um feitiço de mulher travestido nos suaves movimentos de menina meiga. De fato era meiga! Meiga, doce, amarga... Amarga!
Agora sim sabia o por que amava tanto aquela sensação agressiva e amarga que o café daquela tarde lhe trazia.
Ela era dona dele, e ele que se autodenominava "senhor de suas ações" via-se vergonhosamente como um dependente carente de apenas um olhar de afeição, como no dia em que ele a pedira encarecidamente para os dois passarem um final de semana juntos, e ela lhe disse que não, secamente, rudemente... Mas para ele tudo aquilo era lindo!
Era de um lirismo... Ela era tão... Tão cruelmente dona de si! E aquilo lhe encantava.
Mas houve um dia, não digo que estava chovendo (geramente certos escritores apelam para isso), na verdade era um dia comum, comum e á princípio descartável (como a maioria dos dias do ano), André tinha saído do trabalho, mas por mais que estivesse fatigado Luiza o fazia sentir-se como quando se acorda depois de uma noite bem dormida.
Iria encontrar-se com ela num bar próximo, ela tinha mandado um torpedo, e aquilo para ele nada mais era do que uma ordem.
Seus passos estavam acelerados, e seu rosto estava de cômico para ansioso... Estava com tantas saudades dela!
Atravessou a rua quase sem olhar as direções, para ele pouco importava se iria ser atacado ferozmente por um carro em alta velocidade; ao menos morreria feliz.
A reconheceu de longe, e neste dia estava mais estranhamente linda do que em todos os dias; adorava vestir-se inedaquadamente nessas ocasiões, todos a olhavam, riam de suas meias cor de laranja, um short jeans curto e desbotado,boina cinza.
Ela simplesmente os ignorava. Era tão segura de si!
Sentou-se com cuidado.
    - Desculpa a demora, o chef hoje estava um ditador... - Começara ele.
    - Não, não precisa se desculpar. O que tenho pra falar é simples e direto. Como você bem sabe, detesto rodeios.
Ela tinha a voz firme, firme e doce ao mesmo tempo.
    - Ok então fale. Mas antes, você já pediu alguma coisa?
    - Pedi uns sucos de laranja.
    - Poxa, sucos de laranja? Estou querendo tomar algo forte...
    - Não.
    - Por quê não? Não posso tomar...
    - Não é sobre isso. Estou respondendo a sua pergunta.
    - Que pergunta?
    - Aquela que você me fez antes de ontem.
André a olhou com os olhos indagadores, por alguns segundos relembrou o que de fato acontecera, e repentinamente todo ele começou a tremer como uma criança com frio em noite de chuva.
A mulher que mais amava, estava destruindo bruscamente seu castelo de areia, seu lindo castelo de areia... Seu estereótipo de vida perfeita com apenas um "Não". Não era um simples "Não" á um convite para passarem um fim de semana juntos; era um "não" para passarem todos os fins de semana de suas vidas juntos.
     - Então é isso? - Depois de alguns instantes.
     - Isso o quê?
     - Você simplesmente me diz "Não" ?
     - E eu deveria adicionar algo á isso? Desculpe-me, mas não posso. Acho que não te amo o suficiente, ou... Não tenho certeza se realmente te amo.
Ficara pensativo, questionando a si mesmo olhando-a dentro dos olhos. Queria ver algum vestígio de mentira ali, mas não... Conhecia aquele olhar, um olhar seguro, assim como toda ela.
Ela já tinha o respondido, e aparentava não ter mais o que falar, na verdade ainda procurava palavras.
Levantou-se e foi embora. A deixou analisando a cor laranja do suco, (quem sabe até comparando com a cor das meias, que seja!) Apenas foi-se, bruscamente. Não queria explicações, há coisas que simplesmente não necessitam disso, ao contrário; ás vezes machucam mais ainda.
Foi pisando no chão com força, revidando em tudo e em todos seu ódio contido por ter descoberto que o amor é espada... E a dor que aquilo causa, pode até te trazer sensações boas, mas a dor... A dor é sempre dor!
Desde então, faz as mesmas coisas todos os dias. Joga em cima do seu sofá velho sua pasta, tira seus sapatos sujos do dia, prepara um café forte e amargo, inconscientemente para trazer á sua memória a imagem dela.
E por mais que lute todas as vezes quando vê de sua pequena janela alguma garota esquisita de meias laranjas no meio do vai-e-vem da cidade, ele sobrevive.
Seu cão das bochechas enormes está ali e pra ele aquilo está de bom tamanho.









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