Páginas

O QUE NOSSAS TEORIAS DE CONSPIRAÇÃO DIZEM SOBRE NÓS?



Existe uma verdade que muitos de nós não sabe ou finge que não sabe: o evangélico médio brasileiro é sedento por teorias de conspiração. Não importa se essa grande conspiração que irá nos destruir vem de símbolos utilizados no filme Harry Potter, o mal do Rock (como nos anos 80/90), na orquestração Illuminati ou no grande plano político comunista que vai matar todos os cristãos do mundo, uma coisa é perceptível em todas elas: há sempre uma dicotomia gritante que garante que “eles” (e aqui adicione a figura, cantor, ativista, partido que quiser) são nossos inimigos e que irão nos destruir, caso não acordemos e lutemos contra essas forças do mal.
A lógica da paranoia evangélica é baseada em fundamentações rasas que nascem da mesma lógica maniqueísta de um filme da Marvel ou DC em que o herói perfeito tem a incumbência de salvar o mundo das garras do grande vilão tenebroso e malvado que não possui nenhum traço de bondade. Não importa para o paranoico se tudo o que contam como grande plano para acabar com os evangélicos, a família, o casamento, a infância e entre tantas coisas não têm fundamentação ou que não existe perseguição institucional, política e religiosa contra o cristianismo no Brasil, ele há de sempre erigir um novo inimigo para que todos nós prestemos atenção e desestabilizemos. A lógica é de guerra. O objetivo e a origem da guerra? Não existem.
Para o protestante evangélico médio viciado em teorias de conspiração, estamos passando por uma sofrível e deplorável perseguição, orquestrada por um grande sistema que quer desestabilizar nossa liberdade de culto, nossa educação para nossos filhos, nossos casamentos e nossas famílias. O que passa despercebido, seja de forma proposital ou não, é que o Brasil é um dos países com mais cristãos do mundo, segundo o último censo do IBGE em 2010, 86,8% dos habitantes do país são cristãos, sendo 64,6% católicos e 22,2% de evangélicos, tendo a massa evangélica como mais possível de crescer e até de se igualar ou passar a maioria católica do país (em 26 anos, os evangélicos cresceram de 9% para 22,2%, o que aumenta a probabilidade de uma explosão em crescimento para os próximos anos). Além dos números, a nossa cultura é permeada do imaginário cristão, nossa linguagem, nossa forma de lidar com a morte, casamento e entre tantos refletem o modus vivendis cristão institucional. Somado a toda essa força em número de pessoas e na própria cultura, nós temos, especificamente no seio evangélico, mais representantes nos espaços públicos, uma bancada inteira dentro do congresso (bancada essa que se diz representante dos interesses da igreja) e igrejas evangélicas neopentecostais sendo vistas como a galinha dos ovos de ouros para políticos, lugares privilegiados e requintados em que candidatos se sentam ao púlpito, falam de suas propostas e recebem a “bênção” da igreja (ou de seus líderes) para aquela denominação de não sei quantos mil membros, em uma atitude parecida ao coronelismo, votar em peso para assim lutar contra essa tal de perseguição religiosa contra nossos valores.
Será realmente que somos nós os perseguidos?
Apesar do crescente número de cristãos, da grande representação política e econômica que temos, nunca em tantos anos houve tanta violência, derrocada da moral, escândalos em nosso meio e morte de grupos realmente minoritários; contínuo avanço de mortes e violência contra mulher, sendo 40% delas evangélicas e recebendo vista grossa e silenciamento em muitas igrejas (não todas, aqui deixo claro), intolerância religiosa para religiões de matriz africana, mortes e violência de pessoas da comunidade LGBT, violência e mais mortes contra jovens negros em periferias, além de muito pouco caso com o pecado estrutural do racismo, do machismo e entre outros. Os números não mentem, mas talvez o discurso de que somos nós os perseguidos do país seja completamente mentiroso.
Além de tudo isso, ainda se tem uma espécie de “patrulha do verdadeiro cristão” que julga a salvação uns dos outros baseando-se estritamente no discurso político e ideológico: “não pode isso porque isso parece com a esquerda, a esquerda é comunista, o comunismo é ateu, o comunismo matou vários cristãos, o comunismo vai nos matar também, logo, você não é cristão por querer qualquer coisa parecida com alguns temas da esquerda” o mesmo valendo para a Direita também (“você não pode querer um estado mínimo porque Jesus queria a repartição dos bens”; “ser conservador faz de você um cristão falso”). Percebam que além da arrogância e uma espécie estranha de ousadia em querer ditar quem é e quem não é salvo, os critérios para essa salvação não são a Fé na obra perfeita de Cristo como ponte de reconciliação entre nós e o Deus trino, os critérios são simples e puramente políticos e ideológicos. É uma heresia que várias vezes os apóstolos lutaram contra: a obra no lugar da graça de Deus (como em 1 Tm. 6:3; Ef. 4:4). Deixarei alguns links de textos de teólogos e pastores sérios que falam sobre esse perigo de cair nessa tentativa de legalismo causado pelas tais “cosmovisões cristãs”.
É só olhar na Bíblia, nossa regra de fé e prática: quantos dos seguidores de Cristo, profetas e apóstolos namoraram com o Império? A igreja primitiva tinha realmente tanto poder político a ponto de ditar as regras do jogo? Será que foi em concordância com os governos, sistemas políticos que grandes homens e mulheres de Deus morreram em nome de Cristo, sendo torturados, crucificados, queimados, decapitados?
A gente não faz ideia do que é perseguição, os nossos irmãos e irmãs em outros países, estes sim sabem e nem por isso fugiram dessa perseguição ou montaram um complexo forte político e econômico para calar os perseguidores. Montamos esse discurso paranoico dentro de uma realidade que nos diz o completo contrário para, talvez, aliviarmos a culpa de que no lugar de Cristo, os deuses da Igreja (cristã, em geral) aqui no país são na verdade o dinheiro, o poder e a glória.
A gente aceitou a proposta do Diabo ali no deserto porque o estilo de vida de Cristo é muito difícil para nós. É muito difícil admitir, por exemplo, que o grande problema da derrocada da instituição do casamento na sociedade não é por problemas de fora ou a militância LGBT, mas sim porque os cristãos evangélicos, por exemplo, batem recorde em número de divórcios, que inclusive são naturalizados dentro do seio da igreja; porque a tentação da traição, assédio e estupros maritais são naturalizados e porque muitos conselhos de líderes à mulher abusada é de que a culpa de tudo é dela, é falta de oração, é falta de fé. É difícil admitir que a culpa da queda da ideia de família tradicional não é de grupos externos, mas da hipocrisia de esposos que não amam, mulheres que não amam, filhos que não são amados e nossa energia sendo canalizada em lutas contra pessoas que têm na mente outro ideal de família no lugar de lutarmos pela restauração das nossas. É difícil para o evangélico médio brasileiro admitir que as pessoas talvez não queiram ouvir alguém pregando o evangelho no meio da rua porque a imagem que construímos na mente dessas pessoas é de que somos altos demais para a baixeza delas e não porque elas estão deliberadamente com o coração endurecido.
A gente cria o discurso da perseguição porque é duro demais perceber nosso pecado. Porque prantear, rasgar as vestes e chorar, como diz no livro de Tiago dá muito mais trabalho do que enriquecer, ganhar poder e usar desse poder para calar outras pessoas, que dizemos ser nossas inimigas.
Não digo aqui que a perseguição não virá, ela virá e nem que de alguma forma ela não existe. Não digo que não é verdade que seremos e somos, em muitas situações, ridicularizados por professarmos a Cristo e seu estilo de vida. Jesus nos dizia que seríamos bem-aventurados ao sermos perseguidos e mortos por seu nome, o apóstolo Paulo nos dizia que privilégio era ser perseguido em nome de Cristo. Tenho a impressão de que quanto mais marginais ao poder do estado, mais apegados ao poder de Deus e ser mais apegado ao poder de Deus nos faz vulneráveis a perseguições em nome desse Deus. Percebe como a lógica deveria ser outra? 
Enquanto não buscarmos ser o que Cristo gostaria que fôssemos enquanto igreja, nossa paranoia será um instrumento que blinda a podridão que habita em nós em nome de um discurso que garante que nossos “inimigos” ficarão quietinhos, para assim nos sentirmos mais santos.
O pecado mora mais embaixo.
Não é tempo de guerra contra as forças do mal, é tempo de arrependimento porque o pecado está dentro de cada um de nós.



Links dos textos e informações: