Nesses dias em que mais parece que o chão tornou-se mina, onde assuntos ferem, dividem e segregam; onde, em nome da verdade, se endossa uma espécie de "nós contra eles", fica cada vez mais difícil respirar e silenciar.
As redes sociais, grande tema de estudos sociológicos, teses acadêmicas e até roteiros cinematográficos, são as grandes potencializadoras de nossas guerras e nunca em nenhuma era houve tanta necessidade de se pronunciar em nome de um "lado", seja em vídeos de youtubers, comentários de instagram ou textões de facebook. O teclado do meu smarthphone é o novo palco onde eu vomito minha opinião, não com o intuito de amadurecer algum debate, mas de aumentar a visibilidade para as bandeiras que levanto e arrancar aplausos de quem concorda comigo. É o vício do espetáculo de mim mesmo. Obviamente não gostamos de ser contrariados e esse comportamento egocêntrico, de fato, nos define desde que nos entendemos por gente. A grande questão é que em nossa era, a angústia cresce enquanto nos sufocamos de informações porque agora estamos diante do espelho de quem somos e não há alívio pra autoconsciência. O espelho não mostra tanta beleza.
O ódio despejado em forma de opinião, os vídeos de estupros coletivos sendo compartilhados, a vida sendo banalizada com aplausos, a guerra declarada contra o mal, que incrivelmente parece apenas morar no outro... Tudo isso é o reflexo do que sempre fomos. Autoconsciência em transe, agudez de olhar fixamente para a feiúra... Sintomas de pânico, ansiedade, comprimidos como amortecedores que nem os antídotos "milagrosos" de Huxley em Admirável Mundo Novo.
A vontade de se impor, de alcançar o status de portador da razão, de intermediar conflitos ao mesmo tempo em que inconscientemente admite-se como o "lado do bem" nos define e nos angustia profundamente porque a contradição esmaga nosso ego.
Não importa contra quem minha opinião é destinada, não importa se é alguém que eu amo, se é alguém que me amamentou, se é alguém que morreria por mim... Importa estar certo. Importa entender que enquanto o outro discordar de mim, ele é meu inimigo. A que ponto se chega em nome da razão? Ao ponto de destruirmos relações, porque a vida tem de ser teorizada, debatida, problematizada... Tudo, menos vivida.
No jardim do Éden, Adão e Eva não foram privados da Eternidade simbolizada pela árvore da vida apenas como punição pelo erro, mas também por misericórdia, visto que viver eternamente com a maldade seria insuportável. O mal que habita no interior de cada pessoa é sufocante; e se perpetuado, seria impossível conservar a consciência de humanidade; talvez o que estejamos vivendo hoje seja, virtualmente, no sentido mais epistemológico da palavra, a sensação de "eternidade" rodada em telas, em mídia, em teclados, em relações doentes... A eternidade do mal que não está no outro, mas em mim mesmo. E por isso é tão asfixiante viver.
Não tenho as respostas para nossos dilemas e talvez seja contraditório tentar achar uma saída para essa angústia, mas talvez nosso corpo, nossa mente, nossa consciência estejam gritando por silêncio, tal qual o silêncio da morte interrompeu a perpetuação do mal no Éden. Em meio a tantos gritos, tantas reações, opiniões e cantos de guerra, manter a sanidade talvez possa significar admitir as próprias contradições e tentar respirar na quietude.