Um cara extraordinário
Cândido tinha trinta e sete anos, bem casado, e um filho pequeno. Era magro, pardo, barba pra se fazer, uma geladeira, dois quartos... Essas respostas de questionários sociológicos do IBGE.
Gostava de fotografar, era tão sensível... Nas suas fotos podia se ver os olhos de dona Joaquina da esquina, sim, ela estava lá trás do moço agitado com terno e um café, que por sinal, logo depois da foto, iria ser derramado na roupa cheia de frufrus de uma gordinha que segurava o algodão doce do filho.
Dia de segunda, sabe? Cândido gostava de transformar os momentos pequenos de segunda, em um grande parque de diversões de domingo.
Andava com os bolsos de sua calça jeans (de um azul desbotado) cheios de moedas para distribuir para os mendigos da ruas. Era o mínimo que podia fazer... "A culpa é minha" pensava ele.
Era um pouco esquecido. Para ele, as datas não faziam tanta lógica... "Porque hoje não pode ser 12 de felizmaio ao invés de 21 de setembro?". Eram perguntas doidas, ele sabia. É porque ele gostava de 12, e do que aconteceu no mês maio... Conhecera Alice.
E Alice, detestava esse esquecimento proposital dele, mas o amava por esse mesmo jeitinho de menino ingênuo. E ele era tão ingênuo que Alice as vezes sentia-se como sua mãe.
Não era possível que Cândido não percebesse que existiam certos bêbados fingidos de mendigos que o exploravam!
Santo Deus! Alguém tire do rosto desse homem a expressão de um desgraçado feliz, por favor?
E assim ele seguia, nos dias de feriado, claro, andando pela rua, feliz da vida...
Alice dizia ás amigas que seu marido era um tanto feminino... Muito sensível, muito carinhoso... O cara... Mas ligava tanto pra os outros que se esquecia dela, e dele.
Se ele soubesse o quanto ela odiava quando ele se esquecia do aniversário do filho, ou do próprio, ou de se acordar cedo pra um compromisso...
Cândido, no mínimo era lunático. Esquerdista não tão ortodoxo, simplesmente porque começara a sentir raiva da contradição que havia nessa posição política. Isso devia-se ao fato da decepção com as pessoas, da corrupção das pessoas, dessas coisas que ele, entristecidamente, tinha entendido a pouco tempo.
Mas o que tornava o tal Cândido excepcionalmente extraordinário, era a sua capacidade quase amnésica de perdoar o mundo por ser tão injusto para com pessoas como ele.
Ele perdoava na esperança de poder um dia fotografar pessoas que sorriam mais ás seis da manhã, na esperança de não encontrar mais aqueles mendigos, nem os exploradores bêbados (ele sabia, Alice.) e também na esperança das ideologias não serem tão decepcionantes.
Ele acreditava em Deus.
Pena seria se soubéssemos que Cândido é apenas um funcionário público com oito horas diárias, um salário precário... E que apesar de não ser desse mundo, more em um país tão pequeno para a sua alma.
Ler texto ao som de: JOÃO E O PÉ DE FEIJÃO - Cícero
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Thaínes Recila. Tecnologia do Blogger.
2 comentários:
Massa! Texto meio louco no começo de se entender... Depois eu entendi! hehehe
muito rico em Palavras :O ... Gostei! Parabéns Ré, Agr To viajando na Música
( João e o Pé de Feijão) ;)
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