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Segunda-feira

   

    Quatro horas da manhã e alguns minutos. Não dava pra enxergar muito bem, principalmente para alguém que estava acordando naquele exato momento como Adriana e com a visão embaçada. Ao tentar checar o horário, esticou os braços por cima do marido, que dormia ao seu lado, para alcançar o objeto que estava na cabeceira na outra extremidade da cama. João estava atrapalhando com sua barriga de casado. Casado há mais de vinte e cinco anos. 

     Não era um dia excepcional, não. Era segunda-feira. Adriana tinha muitas coisas a fazer. Levantou-se e mecanicamente foi ao banheiro, lavou o rosto, olhou-o. Velha. Estava velha e com os olhos cansados. Arrastava a perna esquerda, seus ossos doíam... Mas tinha roupa pra lavar, almoço pra fazer, casa pra cuidar. 
   João era um bom homem: não bebia muito, não fumava. Caminhoneiro, mãos grossas, andar duro, olho vivo. De vez em quando, quando dava, os dois iam ao bar do Carlito dançar um forró. Era uma vidinha humilde, de gente de interior... Adriana nunca trabalhara por João não aceitar, e tinha estudado até a quarta série, mas dava umas ajudas com umas roupas que lavava. 
   Tiveram filhos muito jovens, e fora esse o motivo de terem casado cedo. João Filho, Marilene, Maria Joaquina e Josué compunham os quatro filhos do casal. Maria Joaquina e Josué, respectivamente, dezoito e quinze, moravam com os dois. João Filho e Marilene já tinham suas vidas. Maria, casada e diarista, João, motorista e solteiro. 
    Adriana via seus filhos mais velhos periodicamente, sentia saudades, mas sabia que tinha que ser assim. Sua relação com o marido era sólida o suficiente para não ter aquela preocupação de amor. Se o amava? A mulher nem tinha tempo pra pensar nisso. Só tinha tempo para esfregar as roupas, sacolejar suas carnes pelo esforço, branquear suas mãos negras com a espuma do sabão. Cuida logo, Adriana. Teu homem sai cedo, ele tem que comer. Ela prepara um café forte, um cuscuz com carne como todo nordestino gosta e, com um sorriso de mãe, coloca á mesa. Liga o rádio, ouve umas músicas, sai cantando. 
    Alta no dólar? Maria nem sabia do que se tratava, só sabia que o real tava em baixa em sua vida, e sorria, sorria com aquela felicidade de gente sincera. Não havia ambições altas, só queria um colchão melhor pra descansar as costas velhas e os pés rachados. Seu mundo era sua pequena casa, seus afazeres domésticos... Sua poesia era a rua, as gentes que conversava todos os dias.
    O homem se levanta. Come como se tivesse raiva. Adriana sorri pra si mesma e pensa na tarde que o conheceu. O rádio anuncia que o Brasil está numa nova fase, que os pobres, que os pretos estão mais inclusos... João se levanta falando alguma coisa com sua voz de trovão. Adriana, por sua vez, vai desligar o fogo e secar suas mãos frias da água, água esta que sempre a acompanhou por essa vida pequena, por essa vida injusta, por essa vida que se fez feliz em vassouras, suor e sorrisos cheios de dentes. 

LER AO SOM DE: SIMPLICIDADE - PATO FU

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