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Nickname


Click.

A página do navegador abre. Google. "Você quis dizer: Salas de bate-papo?". Nem prestara atenção, tinha escrito salas de "ate-papo". Abre a janela, cria um nickname, digita o que consegue ver dos códigos apresentados pelo site. Entra. 

Há muitos nomes obscenos. Há nomes infantis. Ela clica num tal de "HomemMaduro", mas não digita nada; "acho que esse 'maduro' quer dizer um velho de sessenta anos coçando a bariga na frente do pc". Fecha a conversa. 

Alguns começam a lhe enviar maliciosas abordagens, ela não os responde. Outros lançam convites pra salas reservadas sem nenhuma preliminar de saudação... Ela revira os olhos.
Um internauta chamado "SolitárioEmUmaGrandeCidade" lhe desperta atenção pelo nome. Ela digita sem pensamento prévio a sua angústia diante da sinceridade do tal homem. 


Ternura30: Seu nome é um tanto deprimente.

SolitárioEmUmaGrandeCidade: É porque talvez eu o seja, rs. 

Ternura30: Duvido, rs. Você está tentando produzir uma espécie de piedade coletiva para si nessa sala. É óbvio.

SolitárioEmUmaGrandeCidade: Na verdade, me pareceu o mais sincero de todos aqui.

Ternura30: Eu devia ter adivinhado: você é mais um daqueles homens que sentem prazer em serem vítimas da vida. 

SolitárioEmUmaGrandeCidade: Você vem sempre aqui?

Ternura30: Não tanto, mas, geralmente, venho para fugir do trabalho. (Sua pergunta pareceu uma cantada péssima rs)

SolitárioEmUmaGrandeCidade: Então você é igual a mim. 

Ternura30: Hahahaha, não sou uma maníaca-depressiva que se abre para estranhos. A vida é difícil, mas a gente tem que enfrentá-la. (momentoFrasesDeAutoAjuda rsrs)

SolitárioEmUmaGrandeCidade: Bom, vc está mais sozinha do que imagina e parece não viver o que prega. 

Ternura30: Ah, tá. Ok -.- (Vc tem perfil de quem lê Augusto Cury, mas não segue as instruções de como sair de uma fossa rsrs)

SolitárioEmUmaGrandeCidade: É sério. A gente vem aqui porque, geralmente, a vida não está tão interessante. 

Ternura30: No meu caso é só tédio -.-

SolitárioEmUmaGrandeCidade: Vc realmente faz a mesma coisa que eu, moça piadista.



Você foge.

Não gosta do rumo que a conversa toma. Fecha a janela. Desconecta o bate-papo, reabre uma outra aba por pura mania de fazer isso. Encosta-se na cadeira e toma um gole de café. Põe um olhar de pedra no fundo da xícara, na escuridão de sua bebida.

Olha ao redor. Alguns quadros tortos na parede, uma moça deixando aparecer a alça do sutiã enquanto estica o braço ao chão em busca do celular caído. Há um vaivém contínuo, muitas pessoas na seção dos lançamentos, alguns casais - sempre existem os casais de filmes água-com-açúcar - na seção romântica, um velho que disfarça para entrar na sala secreta de filmes adultos...

Há os alto-falantes na frente da locadora gritando jingles de farmácias, uns garotinhos vidrados com o banner do Homem de Ferro...

Ela sacode os ombros para espantar uma tristeza repentina.

Sente-se completa e terrivelmente só.

Tira do bolso seu celular e se ocupa dando comida ao seu bichinho de estimação; um aplicativo bobo que inventaram.



LER AO SOM DE: REALIDADE VIRTUAL - ENGENHEIROS DO HAWAII 

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