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Uma Maria não sei de Quê

"Enquanto houver sol... Ainda haverá"

Maria cantava essa música enquanto andava para ir á parada de ônibus. Seus olhos eram limpos e castanhos, assim como o frescor daquela manhã de dezembro.
No jornal anunciava ser verão, ela sabia que inevitavelmente o clima influenciaria seu humor para o fim de ano.
Eram seis e vinte e cinco da manhã, os ruídos dos carros já eram notados, e a cidade já estava acordada... Na verdade, a cidade nunca dormia. 
Apesar de estarem limpos, não se disfarçavam as olheiras que encobriam os mesmos olhos. Seu semblante aparentava estar abatido, era magra, cabelos não tão arrumados.
Maria não era bonita, também não era feia.
Tinha sua fisionomia de um exótico, que ao mesmo tempo misturava-se com o comum de tantas "Marias" brasileiras...

"Quando não houver saída..." Continuava cantando. Sua voz mais parecia com um sussurro surdo, talvez por timidez, já que se tinham algumas pessoas na parada do ônibus.
Apesar de tudo aparentar ser belo, sua vida não era de todo flores. Conhecia bem os espinhos, essas metáforas baratas em tudo abrangiam sua vida.
Tinha vinte e um anos, e um monte de sonhos... Uns possíveis e convencionais como o de se formar, ter um emprego fixo, casar e ter uma família estruturada, e outros tão altos e talvez impossíveis, que até se ria deles.
Seus sonhos eram seu ponto de escape nas tantas inconformidades e frustrações em que convivia rotineiramente.
Tinha sido iludida por um cara, engravidara do mesmo na adolescência, em consequência perdera os estudos. Sua filha tinha seis anos, e ainda morava com sua mãe.
Seu pai, estava em coma á dois meses desde um acidente que levara e não se tinha um resultado positivo segundo os médicos.
Sua vida estava tão confusa quanto um trânsito congestionado, porém seu rosto apenas denunciava calma naquela parada de ônibus.
Cantava tranquilamente esse clássico dos Titãs "Enquanto Houver Sol", como uma modinha ou fado português... Talvez não estivesse se dado conta ou analisado a letra em si...
Grande ironia! A tal letra falava de esperança, logo pra ela. Logo para aquela menina dos sonhos frustrados pela vida.

Na verdade nada importava para ela. O que realmente era importante era saber que aquele dia estava incrivelmente lindo. Ela precisava acompanhar o ritmo da cidade e ir trabalhar.
Um ruído tinha juntado-se aos tantos daquela rotina; era o ônibus aguardado de Maria. Provavelmente aquele seria mais um dos seus dias iguais, na grande luta de cada dia, das vinte e quatro horas batidas no tic tac do seu relógio de pulso.
Subiu no ônibus com sua mochila de sempre. Acomodou-se em um dos primeiros assentos, observou a janela como fazia de costume e voltou a cantar sua música do dia... Aquelas em que não se sai mais da cabeça:
"Quando não houver esperança,
Quando não restar nem ilusão.
Ainda há de haver esperança
Em cada um de nós
Algo de uma criança."

O ônibus seguiu seu caminho, e a cidade continuou seu barulho, como música, que misturava-se á cada sentido com os cantos de tantos outros como Maria.

LER ESSE TEXTO AO SOM DE: ENQUANTO HOUVER SOL - TITÃS

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