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Em algum lugar ás 2:30 da manhã...


Para ela a vida resume-se a rotina. Trabalha doze horas por dia, de sábado á sábado. É balconista em um Shopping. Sempre distribuindo sorrisos, mesmo quando tudo concorre para o contrário. Não é que ela não queira sorrir, simplesmente aquilo já não é tão natural quanto antes. diferença crucial entre o espontâneo e o automático.
Mora sozinha em uma kitnet na área urbana da cidade. Sente desconforto por saber que no outro dia não irá ter ninguém para lhe dizer um bom dia no outro quarto. Ou para lhe preparar o café (de preferência forte) com algumas torradas como sua mãe fazia. Nada de Coca-Cola com algum Mac-Lanche Feliz da McDonalds... Gostava de sentir o cheiro forte do café com leite, e aquele vaporzinho do fogão humilde. Mas ultimamente, algumas bolachas saciavam sua fome, afinal, não podia se atrasar para o trabalho

Sua família morava no interior, e de vez em quando visitavam-na. Mudara-se á pouco mais de um ano, e não tinha se adaptado á vida "adulta". Saiu de seu mundo com a esperança de conseguir um bom emprego, uma boa família, assegurar sua aposentadoria... Essas coisas convencionais.

Mas algo a perturbava nessa madrugada. Porque será que sentia dentro de si um vazio tão grande? Por que lhe doía tanto a ideia de gritar dentro de suas quatro paredes e absolutamente ninguém lhe ouvir?
Realmente queria saber qual era o real sentido da vida, já que pra ela tudo corria como se estivesse no piloto automático.
Nada novo lhe acontecia; Nenhum ganho na loteria, nenhum salto de pára-quedas no mundo de Alice, nenhum príncipe encantado a salvando de duas vilãs eternas: ela e sua vida monótona.
São 2:25 no relógio de Brasília. Não consegue mais dormir, pensando no que pensar, raspando o esmalte que acabara de passar sobre as unhas, num sintoma grave de puro tédio.
Liga seu computador e os raios artificiais inundam a escuridão de seu pequeno quarto. Digita qualquer coisa no programa Word. Apaga rapidamente. Abre seu navegador e entra em qualquer sala de bate papo que encontra no site de busca. Escolhe o primeiro apelido que lhe vem a cabeça... Lulu (todos a chamavam assim quando criança).

Após algumas ofertas indecentes, algum usuário chama-lhe a atenção. Um tal de Principe_Pedro.
Tudo o que ela sabe dele é que tem vinte e três anos, estuda Marketing e trabalha em um escritório. É de outro estado, diz ser carente, e lhe fala palavras doces, até lhe encoraja a viver. Diz que na vida, a rotina é a maior inimiga e que ser feliz é uma conquista não uma sorte.

Mesmo sem conhecê-la a chama de "Linda", "Amor", "Princesa".
Lulu, sente-se no céu! "Que homem perfeito" - Pensa ela.

Conversam sobre os mais variados assuntos, e na intimidade recente, Lulu acaba por revelar toda a sua vida. Diz suas intimidades, seus segredos mais profundos, seus medos, angústias, sofrimentos e traumas.
Principe_Pedro como um perfeito cavalheiro cala e consente. Diz entender tudo aquilo, fala que passou por situações parecidas e diz a ela que a ama.

Ela sabe que não é verdade. Talvez o tal Príncipe seja casado, tenha uns cinquenta anos, uma mulher dorminhoca que não vê suas idas na internet.
Mas ela finge que tudo aquilo é realidade, saboreia as palavras daquele homem, leva pra si seus conselhos e apaixona-se de mentirinha.
Os dois vivem uma intensa estória de amor e declaram-se apaixonadamente... Nem que seja por breves horas.
As horas se passam. Lulu decide sair da sala por obrigação... Na verdade queria prolongar aquela fantasia, mas o sono a chamava para a cama.

Despediu-se e foi para a cama sonhar com seu Príncipe.

Talvez, realmente ele seja um príncipe, ou um usuário tomado pelo tédio, quem sabe até um adolescente cheio de espinhas causadas pela puberdade... Isso não importa pra ela.

Amanhã, pelo menos irá trabalhar feliz.

 LER ESSE TEXTO ESCUTANDO: WALK ON - U2

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